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10 de julho de 2015

1967.a palmatória

mijar no adro


há sempre uma mancha negra uma ovelha ranhosa nos bons rebanhos nas boas famílias nas boas escolas.

no Colégio tinha duas, zuze marika e runano mulende (na língua de caputu). os dois empregavam o mesmo adjectivo para xingar os Alunos, selvagens. a ambos os Alunos desconsideram professores por estarem mais talhados para capangas de Hitler, por eles os alunos tinham fastio da escola. ambos tinham o mesmo gosto por Mulecas, para o mulende qualquer um sítio dá por isso não dispensa o cambriquito sempre presente na bagageira do carro, já o marika actua pela calada da noite no recato e conforto do quarto.

runano mulende era um homenzinho com uma ligeira cacunda que mais se pronunciava pelo andar caído para diante aos solavancos, perdera o sorriso à nascença e trazia a palmatória enraizada na caixa-de-óculos com olhos pequenos sempre baixos e mais manhosos que os da Hiena-malhada, sem desprimor para o bicho que esse os usa assim para sobreviver.

zuze marika por incrível que pareça era padre e tudo lhe servia para bater, o seu maior prazer tirando as Mulecas, até das carteiras o manhoso arrancava tábuas para transformar em palmatórias. e tinha um tique estranho, passava a língua incessantemente pelo lábio inferior, nunca foi possível descobrir a origem dessa mania mas as más-línguas mujimbavam a hipótese de o hábito estar relacionado com as ditas Mulecas. para ele nada disto constituía problema moral ou existencial,

era daqueles para quem pecado é mijar no adro.

mulende entrava de rompante na sala com aquele andar de gangester mal-amanhado que nem físico para isso tinha, não cumprimentava os Alunos que assim era a educação verdadeira, marimbava-se para a chamada quem não estivesse que se lixasse e começava a aula sem mais, sumário: chamada oral.

já o marika era mais sofisticado, entrava sorrindo riso de satanás, segurava as abas da batina para parecer que tinha o passo decidido, também não cumprimentava os Alunos mas mirava-os de frente provocador como quem: queriam que os cumprimentasse suas alimárias? ao sumário nem ligava para quê estas bestas não merecem que lhes dê satisfações sobre o que há de acontecer durante a aula.

mulende tinha um método pedagógico descomum: os exercícios escritos eram invariavelmente fora do tempo da aula e prolongavam-se por hora e meia duas horas, os enunciados eram de vinte e seis folhas mais meia dúzia de esquemas e gravuras, os pontos valiam entre vinte e seis e trinta e dois valores mas o magano aplicava a equação matemática precisa para que doze valores fosse nota negativa.

não devia nada à esperteza muito menos à inteligência, certa vez o Niel à rasca com a matéria de zoologia pediu-me  ponto escrito para copiar e não se sabe o que passou pela cabeça daquele marado, chamou o mulende senhor professor deixei cair um borrão de tinta no ponto porque a caneta tem o bico torto e arranha posso passá-lo a limpo? o mulende experimentou a caneta é claro que o aparo tinha a inclinação da escrita do Aluno e ele que sim por acaso a caneta estava mesmo romba, não raciocinou que a mesma caneta já escreveu bem quando o Niel começou a copiar o exercício nem sequer viu o nome do Aluno dono do ponto no cabeçalho da folha, quem que se lixou fui eu que me vi obrigado a refazer o ponto todinho.

é claro que a folha com o borrão foi parar ao jornal de parede, uma galhofa geral ele nem soube que não ligava pívia às actividades dos Alunos, se algum dia soube foi como o corno manso.

marika tinha a mania de esperto, esperteza saloia o que era. um dia marcou tpc trabalho para casa, tinha também a mania que fora ele o inventor da sigla tpc, com o célebre problema dos galgos, era uma corrida deles e o necessário era calcular a velocidade de cada um. ei estorriquei os neurónios revirei equações de cima para baixo da frente para trás mas o resultado dava sempre o mesmo, desigual das soluções. no dia seguinte antes do início da aula os Alunos compararam os exercícios e verificaram que os mais barras a matemática tinham o mesmo resultado, conclusão a solução estava errada.

o marika adiantou corrigir os exercícios, todos errados suas bestas seus burros seus selvagens seus incompetentes seus inaptos outra vez seus burros seus selvagens e muitos mais seus estes e aqueles, nem se importou que alguns dos Alunos tivessem o mesmo resultado as soluções é que mandavam.

ufano bangoso cheio de jactância dirigiu-se ao quadro, apagador na mão esquerda giz na direita, aprendam seus selvagens, começou a desenvolver as equações mas os galgos lhe pregaram partida da grossa, o seu resultado era igualinho ao dos Alunos barras a matemática.

marika olhou para o quadro, espiou as soluções, o rosto afogou-se de vermelho que nem jindungo e os Alunos riram no coração a cara de banzado. pousou apagador e giz, pegou nos livros e desandou da sala sem nada dizer nem teve o cuidado de agarrar as abas da batina ia tropeçando sorte do colégio que não caiu senão sujava o chão todo com imundície dos pensamentos.

durante vários dias não teve a hombridade de enfrentar os Alunos nem deu aulas, melhor para eles sem ter que o aturar.

naquele dia mulende gangester mal-amanhado entrou na sala como de costume, não cumprimentou os Alunos, marimbou-se para a chamada e começou a aula sem mais sumário: chamada oral.

chamou o primeiro Aluno perguntou e ele nada mudo e quedo, chamou o segundo e ele nada quedo e mudo, não sabia o mentecapto que a combina era geral, ninguém fala todos mudos e logo se vê das consequências, uma coisa é certa enquanto o gajo não nos tratar como pessoas ninguém abre a boca nem escreve o que quer que seja, chamou o terceiro Aluno e ele nada mudo e mudo. mulende foi aos arames levantou-se da secretária, o que é que vem a ser isto seus selvagens, seus cabeludos, seus hipis, suas bestas,

ia continuar com os seus, alto lá você não volta a insultar senão vai ter que se haver comigo, ao fundo da sala era o João o mais velho da turma. mulende armado em valente avançou em direcção ao Aluno, o João saltou da carteira e plantou-se à frente do pequeno ditador, mulende surpreso chocou no peito firme do Aluno e franzino foi cuspido com o embate, aos tropeções nos pés dele mesmo quase caiu, reflectiu que dali não levaria nada, voltou à secretária agarrou nos livros e ao sair ainda rosnou todos para a rua, mas foi ele quem saiu com o rabo entre as pernas.

foi apresentar queixa no director e este confirmou a sentença e ainda corroborou, vão todos expulsos e só voltam com a presença dos pais.

assembleia-geral de Alunos ninguém chama os pais ninguém diz nada como se nada tivesse acontecido, depois logo se vê quem ganha.

comissão formada para apresentar contraproposta ao director, só voltamos às aulas se o mulende for expulso do Colégio.

passaram-se vários dias, os Alunos não entravam no Colégio passavam umas horas sentados no passeio em frente, outras horas no café Flamingo entretidos com o jogo das palavras, cada um acrescenta uma letra quem completar palavra perde o jogo, depois vem a discussão essa palavra não existe amanhã vou te mostrar no dicionário, só se for dicionário de Kimbundo.

os pais não apareciam, o director e os demais professores reconheceram provavelmente que aqueles Alunos eram descendentes dos homens e mulheres sem medo que tinham vencido e domado o Deserto e não havia nada a fazer.

havia-havia: dispensar o mulende. e assim aconteceu, o putativo professor foi mesmo expulso. tiveram muito senso os responsáveis por esta decisão uma vez que não transformaram o assunto em caso político de contrário os Alunos teriam parado na prisão, parece que o mulende ainda tentou mas lembrou-se que tinha os casos das Mulecas e desistiu.

ainda não disse vou dizer agora que tudo isto aconteceu no anteriormente da Revolução dos Cravos.

nenhum membro do rebanho guardou saudades daqueles pastores.

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